Nasci há exatamente 18 anos. Sou um filho da bolsa, pois fui
gerado em uma bolsa amniótica, no útero de minha mãe, onde eu tinha tudo para
sobreviver. Lá, desenvolvi e cresci por nove meses, numa vida fácil para mim,
antes de entrar em uma nova etapa de minha vida e, então, sobreviver de uma
nova bolsa.
Quando
nasci, não lembro, mas me contam os mais velhos, que minha mãe recebeu uma
dinheirama do governo por meu nascimento. O dinheiro foi tanto que ela comprou
até aparelho de som, celular, etc., e olhe que naquela região onde morávamos,
numa propriedade de um latifundiário, só mesmo os patrões de meus pais tinham
celular. Era chique, mas não tinha sinal de telefone naquela localidade, ao
topo da serra, próximo a um riacho.
O dinheiro
acabou e ficamos sobrevivendo na miséria até eu completar sete anos de idade,
quando fui para a escola e, em consequência disso entrar em uma nova bolsa onde
voltaria a ser alimentado por outro cordão umbilical que me mantivesse na
escola e o governo no poder. O negócio foi muito bom, pois estudei, ainda que
não tenha aprendido nada, mas estudei e passei de ano porque os professores
eram obrigados e me passarem para serie seguinte. Meus pais também acharam bom
esse negócio de bolsa porque era só colocar na bolsa, parir e receber outra
bolsa. E foram bolsas e mais bolsas, cada uma delas com um nome diferente. Vejam:
teve até a bolsa celular. Eu continuei sobrevivendo e crescendo alimentado
pelas bolsas. Na minha primeira adolescência ainda cheguei a consumir crack,
mas não foi problema por que recebi o bolsa crack. Até aqui tudo bem, sobrevivi
e cresci sendo alimentado pelas bolsas. Mas as bolsas furaram-se, rasgaram-se.
Acabou.
Acabaram-se as bolsas, entretanto conclui o ensino médio. Só não consigo um
emprego porque não sei de nada, não aprendi nada na escola. Existem pessoas bem
mais competentes do que eu, que estudaram, às vezes, até sem bolsa, ainda assim
aprenderam e conseguem passar nos concursos para ingressar em um emprego.
Hoje, maior
de idade, não tenho mais bolsas, e me sinto obrigado a ir atrás de quem tem
mais, inclusive do governo que deu muitas bolsas para meus pais, e eu acho que
por isso esse governo de bolsas ainda continua no poder.
Vou pela
rua, tomo um celular, um relógio, uma pulseira; vou a uma agência dos Correios,
de um Banco, a um comercio e pego um dinheirinho para sobreviver e, se eu
sobreviver, serei preso e passarei a receber uma nova bolsa do governo,
portanto sou um filho da bolsa.
Antonio Ximenes