sábado, 22 de abril de 2023

A distorção do entendimento do Superior Tribunal Federal transcrito na Súmula 584 sob a égide constitucional dos princípios da anterioridade e irretroatividade.

 

Antonio Ximenes de Oliveira Júnior


RESUMO: O presente artigo versa sobre a suposição acerca distorção entre os preceitos constitucionais e o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como o objetivo de analisar o descompasso entre o Tribunal supra e os princípios formadores e norteadores da segurança jurídica brasileira, pois ausência dessa proteção faz com que o Estado possa atuar de forma liberada, sem arreios, deixa à margem um dos papéis de uma Carta Magna que é a proteção do cidadão. A relevância do tema configura-se no fato de que muitas vezes o contribuinte possa ser pego surpresa com nova legislação in pejus, ou seja, uma legislação que agrave a situação jurídica, atingindo fatos passados, os quais não deveriam mais ser passíveis de discursões, em tese. Para tanto, na construção devida do tema e para melhor compreensão fática e jurídica, a pesquisa se desenvolverá a partir da conceituação acerca da atual sistemática tributária brasileira – os tributos - por seguinte, haverá à análise dos princípios constitucionais de proteção ao contribuinte, os quais criam uma base para o apoio da segurança jurídica, e por fim, a consolidação dos dois pontos anteriores e a Súmula 584 do STF, a qual esta existe uma controvérsia de não tá seguindo os ditames constitucionais. A metodologia utilizada foi através de revisão doutrinária, além de uma análise legislativa, permitindo conhecer o que já foi estudado acerca do assunto, e ainda os pressupostos teóricos auxiliam na fundamentação com fito de analisar uma suposta dissonância entre a legislação tributária nacional e o entendimento da Suprema Corte do Brasil.



Palavras-Chave: Princípio da Anterioridade. Princípio da Segurança Jurídica. Súmula 584 do STF. Princípio da Anterioridade Tributária.



INTRODUÇÃO


Tributo é uma prestação pecuniária a qual o contribuinte, se responsável, é obrigado a pagar para o Estado para fins da manutenção desse e a prestação de fins públicos. Destaque que o termo “tributar”, remonta desde a época da antiguidade, pois que o Estado devia a manutenção da sociedade diante do contrato social.

Nesse contexto tributário, o artigo abrangerá a perspectiva sobre dois tributos, os quais têm algo em comum: afetação por uma problemática jurisprudencial que remonta uma dissonância com os preceitos constitucionais. Assim, os tributos analisados serão o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido.

A linha é tênue entre os dois tributos, pois que são formados em dois momentos, sendo o primeiro é a contagem do fato gerador no período-base, cujos elementos são compostos de fatos econômicos importantes que acontecem no decorrer do período para que ao fim se consolide o fato gerador, e no exercício financeiro seguinte seja cobrado do contribuinte.

Por seguinte é tratado sobre os princípios constitucionais da irretroatividade da legislação tributária gravosa e o princípio da anterioridade, previstos no artigo 150, inciso III, alíneas “a” e “b” da Constituição Republicana Federativa do Brasil. Ressalte-se que juntar fazem parte de um princípio maior, basilar do ordenamento jurídico brasileiro, a segurança jurídica.

Basicamente o princípio da irretroatividade impede que a nova legislação gravosa retroaja para atingir fatos gerados passados. Já o princípio da anterioridade impede que a nova legislação tributária incida no mesmo exercício financeiro em que ela é criada, podendo incidir seus efeitos apenas no ano financeiro seguinte.

Os dois princípios reforçam algo maior, o princípio da segurança jurídica, o qual protege os cidadãos a serem pegos de surpresa de uma nova legislação, que no caso seria a tributária. Desta feita, essa norma principiológica reforça a proteção dos contribuintes contra a arbitrariedade do Estado.

O ponto que entra divergência com os ditames constitucionais sobre esses tributos é a súmula 584 do STF, o qual diz que a nova lei tributária, inclusive gravosa, pode incidir, retroagindo sobre todo o ano-base, ocorrendo assim, uma ampla contrariedade aos princípios da anterioridade e o da irretroatividade. É uma verdadeira distorção o entendimento do STF sobre hermenêutica constitucional.

A pesquisa será analisada na concatenação de tópicos, a iniciar pela explanação sobre tributos, em seguida o Imposto Sobre a Renda e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido. Após, os princípios constitucionais da anterioridade e irretroatividade, e por fim, a interrelação com os conceitos e a Súmula 584 do STF.

A pesquisa tem o escopo de analisar a ausência de sintonia do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e os preceitos magnos constitucionais, e que inclusive correspondem a garantias fundamentais, de tal importância que chegam a serem cláusulas pétreas.

As técnicas utilizadas para que se formassem um entendimento necessário para o desenvolvimento acerca do tema foi a revisão bibliográfica em Direito Tributário e Constitucional sobre os princípios da irretroatividade e anterioridade, além de análise técnica sobre a súmula do STF.

O método de abordagem teórica da pesquisa foi através do método indutivo devido à importância o que o mesmo tem para as ciências sociais. Inicia-se com premissas verdadeiras, chegando a conclusões prováveis. Este se destaca também, pois que parte do particular para o geral. Nesta abordagem as conclusões obtidas são muito mais amplas do que exarado nas premissas.


1A RELAÇÃO ENTRE A SISTEMÁTICA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA E OS TRIBUTOS: IMPOSTO SOBRE A RENDA E A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO


Os tributos sempre fizeram parte da sociedade, pois o Estado necessita da arrecadação pela população para que possa garantir a manutenção pública social. Numa análise comparativa inicial, no Brasil, serve para garantir direitos cidadãos previstos de modo geral na Magna Carta de 1988, pelo menos o mínimo existencial na perspectiva da égide da limitação da reserva do possível.

O termo tributo há conceituações diversas, tendo como etimologia do latim tributum que “remete para alguma coisa que é concedida ou rendida por obrigação, hábito ou necessidade” (SIGNIFICADOS, 2019). A ideia nessa esteira seria alguma ação praticada diante de alguma força, seja por costumes, cogência ou por ser de grande valia para manutenção da sociedade.

A realidade brasileira, no Código Tributário Nacional (CTN), existe uma visão mais limitada do que o significado anterior, definindo como algo compulsório, desde que não constitua uma punição e sendo exaltada pelo princípio da legalidade, conforme consolida Rezende e Lima (2019) “[...] estabelece que União, Estados, Distrito Federal e os Municípios só poderão aumentar ou exigir impostos se uma lei assim o estabelece”. Essa linha é o que se subentende do art. 3º, do CTN:


Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.


O artigo quinto do Código Tributário Nacional especializa os tributos nacionais em contribuição de melhoria, as taxas e os impostos. Mas válido é destacar que na sistemática atual, apesar de não ser uma posição doutrinária uníssona, há ainda as contribuições especiais e os empréstimos compulsórios. Isso ocorre por que, apesar de no CTN ser dividido em três categorias, aquele é uma norma tributária anterior a Constituição Federal de 1988, e nessa houve o acréscimo das duas novas classificações de tributos. Ressalte-se que os impostos têm papel importante no Brasil, pois só no ano de 2019 houve a arrecadação em torno de 1,5 trilhões reais1, segundo informações da Fraga e Verdélio (2020).

No liame da atual e dominante conjuntura doutrinária acerca da classificação dos tributos quando comparado o previsto entre o Código Tributário e a Constituição Federal nacionais é que na sequência será examinado o Imposto sobre a Renda e a Contribuição sobre o Lucro Líquido.


1.1Imposto sobre a renda da pessoa física: relação histórica e conceitual


Historicamente, as primeiras impressões acerca do imposto sobre a renda surgiu na Inglaterra em 1799, apesar de ter sido bem antes, mas devido à ausência dos escritos, toma-se aquela data. No Brasil, a primeira vez que surgiu algo sobre esse tipo tributação foi com a Lei nº 317/1843, mas sua legitimidade foi alcançada apenas na lei 4.625/1922, quando fora instituído.

A natureza do Imposto de Renda (IR) é dinâmica, pois incide de forma pessoal, um atrelamento à capacidade contributiva, fazendo uma correlação entre não apenas a igualdade formal, aquela tendo por base a lei, mas também a igualdade material, que é a igualdade dentro da lei, o que em outros termos seja a igualdade entre os iguais e desigualdade entre os desiguais.

A capacidade contributiva e o IR tem seu liame exato no que é extraído do §2º do inciso I do artigo 153, apontando três elementos, os quais sejam a generalidade, a progressividade e a universalidade. Reforçando essa ideia, salienta Borba; Coelho (2016): “[...] o tratamento tributário isonômico e conforme a capacidade econômica caminha, no que se refere ao IRPF, a pari passu dos atributos da generalidade, da universalidade e da progressividade [...]”. Desta feita, a relação entre as características desse tributo e a capacidade contributiva é consistente.

Sobre as características do imposto, em termos genéricos, tem-se a universalidade, como uma forma de tributar todas as rendas e proventos; a generalidade, abrangendo qualquer pessoa a ser tributada; e a progressividade, um elemento marcante, pois prolata que quanto maior for o acréscimo do patrimônio, maior será a alíquota incidente.

O imposto de renda proveniente das pessoas físicas nada mais é do que um tributo, cujo imposto é espécie, tendo força cogente de cobrança, assim como os tributos em geral, e percebido pelo Estado com base na renda e proventos de qualquer natureza calculados do ano-base (fato gerador). Ressalte-se que a cobrança é dos “contribuintes residentes no País ou residentes do exterior que recebam rendimentos de fontes no Brasil” (RECEITA, 2019).

O conceito de renda e proventos é dado pelo Código Tributário Nacional no art. 43, incisos I e II, sendo, respectivamente, renda o “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e proventos de qualquer natureza “os acréscimos patrimoniais” que não se enquadram como renda.

Atualmente o Imposto de Renda atua em dois períodos, sendo um a do exercício financeiro, ano-base ou período base dentre outros sinônimos utilizados por doutrinados, e a do ano de exercício que é quando irá ser efetivamente cobrado. Destarte que o ano-base é o intervalo temporal em que irá cumulando os fatos para a formação do fato gerador.

Dada toda sistemática do Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF), tem-se que se segue a Contribuição sobre o Lucro Líquido, estando fora do contexto de imposto, mas ainda dentro dos tributos, tem o seu centro, sua linha principal, características semelhantes ao que fora exposto sobre o IRPF.


1.2Contribuição social: fomento pelo fato gerador sobre o lucro líquido


A seguridade social tem sua origem legal no artigo 194 da Constituição Federal, compreendendo um “(...) conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade (...)”, para garantir prerrogativas quanto à previdência, à saúde e à assistência social, obedecendo alguns princípios dispostos no mesmo diploma legal. Para o fomento de tais áreas é necessário a participação social para manter tais direitos, e é nesse momento que entra um dos meios para assegurar, a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A Contribuição Sobre o Lucro Líquido é uma contribuição social, o que, em outros termos significa que há um financiamento para a Seguridade Social, e prevista no ordenamento jurídico no artigo 195, I, “c”, da Constituição Federal brasileira, conforme segue:


Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:


I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:


c) o lucro”


Regulamentada pela Lei n. 7.689/88, e conforme se extrair do artigo supra, essa contribuição social tem como fato gerador o lucro líquido das Pessoas Jurídicas, seguindo a mesma ordem do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas. Destaque-se que o lucro pode ser presumido, arbitrado ou real, conforme os ditames da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1700/17. Sobre ao tipo de lucro a ser escolhido, há momentos que são mais rígidos e outros são mais flexíveis conforme se extrai de Oliveira (2019):


A partir do caso concreto o regime de tributação será definido uma vez que o sistema do cálculo para a arrecadação traça várias especificidades que devem ser analisadas minunciosamente. Assim, em alguns casos a legislação aponta qual modalidade será adotada, como ocorre com o lucro real, impossibilitando uma alteração futura para o modelo de lucro presumido, tendo em vista que a própria legislação estabelece que tais pessoas jurídicas possuem estrutura organizacional suficiente para a apuração efetiva do lucro. Por outro lado, é conferida a possibilidade das empresas que optarem pela tributação a partir do lucro presumido poderem alterara-lo para o lucro real, dado que a sofisticação do regime dessa modalidade, respeita as diretrizes impostas de forma mais eficaz”


Na esteira do fato gerador, a CRFB não previu o que seria o lucro, o que ficara a cargo da doutrina especializar tal conceituação. Assim, segundo Oliveira (2019): lucro é “o valor que é acrescido ao patrimônio da empresa, decorrente do exercício da atividade por ela realizada”. Nesse sentido, lucro é o “bônus” que ocorre, é um ganho que tem o arcabouço patrimonial empresarial o qual foi sendo acumulado durante um determinado decurso temporal.

A contribuição social, por seguir o mesmo liame do Imposto de Renda, é também dividida em dois momentos, sendo um período de contabilidade percepção de lucro, que se encerra no dia 31 de dezembro nos termos do art. 2º, §1º, “a” da Lei n. 7689/88, e outro período de cobrança, o que assim pode ser chamado de tributo periódico.

Destaque-se que ainda há outra forma de tributação além da anual que é a trimestral prevista na Lei nº 9.430/96, tendo como marco de pagamento o previsto na Instrução Normativa 1700/17 da Receita Federal do Brasil (RFB). Assim, conforme o art. 55 dessa, a data de pagamento é até o último dia útil do mês que se segue, tornando-se desnecessário o aprofundamento. Ressalte-se que a Pessoa Jurídica poderá optar qual o regime de tributação de preferência.


2PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE PARA A CONSECUÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA


O Real Estado Democrático de Direito, em suas constituições, trazem direitos e obrigações à sociedade, à sua população, dentre essas garantias - leia-se aqui um sentido amplo - destacam-se a proteção contra insurgência do Estado com fito de assegurar a tão aclamada dignidade da pessoa humana.

No Brasil, sendo também uma democracia, há duas balizas principiológicas previstas na Constituição Federal de 1988, a anterioridade e a irretroatividade, as quais têm como fim assegurar uma segurança jurídica do contribuinte, protegendo-o contra a perspicácia da surpresa pelas mãos do Estado. Assim, é elencado o art. 150, III, “a” e “b”:


Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:


a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;


b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;”


A alínea “a” refere-se a princípio da irretroatividade, o que, em termos simples, segundo Silva (2004, p. 7-8), “é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo, não-gerador de tributo, ou permanece como gerador de menos tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência.”

Nessa mesma esteira, de forma conceitual, “O princípio da irretroatividade tributária, também conhecido apenas como irretroatividade, é o princípio de Direito Tributário que estabelece que não haverá cobrança de tributo sobre fatos que aconteceram antes da entrada em vigor da lei que o instituiu” (DIREITO E LEIS, 2019).

Nas linhas dos pensamentos supra, constata-se o princípio em comento ressalta em sua magnitude que uma lei nova posterior não pode gerar seus efeitos em fatos geradores anteriores a sua vigência, pois que os fatos anteriores devem ser analisados sobre a égide da lei pretérita, pois o que o contribuinte saiba o que ele realmente irá paga e já se preparar pra isso. Nesse ponto, nota-se que é uma proteção de contribuinte em relação ao Estado, age contra a perspicácia dele.

A alínea “b” refere-se ao princípio da anterioridade, o qual significa que a nova lei não pode incidir seus efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela é calculada. Nesse liame, para explanar a conceituação do que seja o exercício financeiro, com brilhantismo Silva (2004, p. 7) prolata aquele exercício “é o período de tempo para o qual a lei orçamentária aprova a receita e a despesa pública”. Nessa mesma linha, Direitos e leis (2019):


O princípio da anterioridade tributária, também conhecido apenas como princípio da anterioridade, é o princípio de Direito Tributário que estabelece que não haverá cobrança de tributo no mesmo exercício fiscal da lei que o instituiu. Assim sendo, um tributo só poderá ser cobrado pelo Fisco no ano seguinte àquele em que a lei que o criou fora promulgada”.


Dessa forma, conforme os ditames constitucionais, não poderá a nova legislação exercer seus efeitos nesse período, no mesmo exercício financeiro a qual foi criada, mas apenas ao exercício seguinte, o ano que virá. Nesse caso, mais uma vez a CRFB protege o contribuinte de devaneios do Estado, pois impedindo que ele edite uma lei e que no mesmo exercício financeiro seja cobrado. Vale destacar que o ano financeiro se assemelha ao civil.

A segurança jurídica é algo maior, que está intrínseco ao direito, devendo dentro da norma ela deve atuar junto, e que nessa mesma linha prolata Couto e Silva (2017) “A noção de segurança jurídica é conatural e, pois, indissociável da própria noção de direito, só existindo direito onde existe segurança jurídica”. Mencionando ainda o sentido de segurança jurídica, relata aquele autor:


(...) a garantia que ela sugere é a de que, ainda que a vida seja essencialmente mutável, será sempre necessário – no que diz com a ordem jurídica ou com os direitos individuais – que tanto quanto possível, uma parte do hoje seja igual ao ontem ou uma fração do amanhã seja igual ao hoje, de tal sorte que a cadeia do tempo se constitua sempre com esse quid de permanência do velho no novo. É isto que empresta coerência, previsibilidade, calculabilidade e autoridade ao conjunto de normas jurídicas, ao mesmo tempo que infunde tranquilidade aos indivíduos, quer com relação aos compromissos e vínculos jurídicos que estabeleceram no passado e que esperam sejam mantidos, quer no tocante aos planos que elaborarão, no futuro, na condução de suas vidas.”


Assim, conforme apresentado, é o “velho no novo” que causa essa segurança jurídica, a certeza da previsão do que virá, ocasionando um aspecto de tranquilidade no cidadão, que no caso seria a proteção ao contribuinte em relação ao Estado, impedindo que ele se utilize dos meios da surpresa.

A expressão supra cria uma relação lógica e bastante concreta, pois, como o próprio autor cita, há uma correlação entre passado e futuro. Assim, o que vale hoje, deverá valer amanhã, havendo um aspecto de previsão, até mesmo para que exista uma preparação do contribuinte cidadão para que consiga a realização do pagamento de suas dívidas tributárias.

É a partir desse ponto que entram os princípios bastante comentados para a consecução dessa segurança jurídica. Eles darão apoio ao cidadão impedindo que o Estado estabeleça uma nova tributação gravosa que incida de imediato, o que deveria ser cobrado somente no exercício financeiro seguinte e que não retroagisse.


3A SÚMULA 584 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A DISSONÂNCIA ENTRE OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS


A súmula em comento deu os seus primeiros passos no Recurso de Mandado de Segurança (RMS) nº 18.112/GB, julgado pela Terceira Turma do STF acerca da Lei nº 4.494/1964 ao estabelecer a distinção entre e exercício financeiro, pois aquele seria apenas a base da cobrança e esse a exigência do pagamento, não tendo o que se falar em retroatividade (JORGE, 2019).

No Recurso Extraordinário nº 65.112/GB também adotou o mesmo entendimento do RMS anteriormente citado, mas sem trazer na perspectiva do imposto de renda. As primeiras noções da retroatividade sobre imposto acerca da renda foi o caso da RE 74.594/GB, sendo construindo cada vez essa noção como a exemplos dos RE’s 80.250/GB e 80.620/STJ (JORGE, 2019).

Em 1976 foi criada a Súmula 584 reafirmando o posicionamento do STF, apesar de que algumas críticas já circulavam sobre os posicionamentos que levaram a ser feita a súmula. E após a Constituição Federal, apenas aumentou diante das garantias que foram elevadas dada a “mitigação” dos princípios da anterioridade e irretroatividade.

A súmula, como já mencionado, não trouxe grande novidade do que já vinha sendo proposto pelo Corte Superior. Assim, em seu texto é ressaltado: “Ao imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deva ser apresentada a declaração.”

Primeiro é válido mencionar que no caso do Imposto de Renda é uma tributação complexa, conforme cita e exemplifica com brilhantismo o doutrinador Sabbag (2013, p. 224): “ (…) o fato gerador complexivo compreende a disponibilidade econômica ou jurídica de renda, adquirida num determinado espaço de tempo, que costuma coincidir com o ano civil – de 1º de janeiro até 31 de dezembro (...)”, ou seja, o doutrinador reforçou o que já tinha mencionado neste artigo.

Consoante o exposto, vê-se que há uma junção de fatos componente do fato gerador, e destaque-se esses fatos que ocorrem são plenamente importantes, devendo ser proibida a surpresa de uma tributação in pejus. Consoante isso, é a mesma linha de pensamento do Amaro (1983 apud JORGE, 2019 p. 14), que ante da CF/88 já criticava tal entendimento:


A aquisição da disponibilidade de renda resulta de fatos (voluntários ou não) que se produzem ao longo do período, e que são fatos jurídicos relevantes para efeito da lei tributária. Por isso e em face dos princípios da anterioridade, da irretroatividade e da segurança do direito (a não surpresa, a evitação do arbítrio), bem como as demais implicações do Estado de Direito, é vedada a alteração da lei, para criar ou aumentar o imposto, após iniciado o período.”


Atualmente há um entendimento sobre a retroatividade imprópria, o ponto de sustento da tese do Supremo Tribunal Federal, que, em termos sintéticos, é a aplicação da lei quando versar sobre períodos de apuração, o que é chamado de ano-base, ano em que será contado o acréscimo na renda auferida para ser cobrada no ano seguinte.

Destaque-se ainda que há um posicionamento acerca da inutilização da presente súmula quando o Imposto de Renda tiver um caráter extrafiscal, conforme jurisprudência do STF que se segue:


É inconstitucional a aplicação retroativa de lei que majora a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base, tendo em vista que o fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie. 
[Tese definida no RE 592.396, rel. min. Edson Fachin, P, j. 3-12-2015, DJE 54 de 28-3-2016,Tema 168.]

1. No RE 183.130, de relatoria para o acórdão do Ministro Teori Zavascki, o Plenário desta Corte assentou que a utilização do Imposto de Renda com conotação extrafiscal afasta a incidência da Súmula 584 do STF. 2. O fato gerador se consolida no momento em que ocorre cada operação de exportação incentivada pela redução da alíquota do imposto de renda, à luz da extrafiscalidade da tributação na espécie. 3. É inconstitucional a aplicação retroativa do art. 1º, I, da Lei 7.988/1989, que majorou a alíquota incidente sobre o lucro proveniente de operações incentivadas ocorridas no passado, ainda que no mesmo ano-base. Precedente: RE 183.130, de relatoria para o acórdão do Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 14.11.2014. 4. Recurso extraordinário a que se dá provimento, reafirmando a jurisprudência desta Corte, em sede de repercussão geral, para reformar o acórdão recorrido e declarar a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do art. 1º, I, da Lei 7.988/1989, uma vez que a majoração de alíquota de 6% para 18% a qual se reflete na base de cálculo do Imposto de Renda pessoa jurídica incidente sobre o lucro das operações incentivadas no ano-base de 1989 ofende os princípios da irretroatividade e da segurança jurídica.
[RE 592.396, rel. min. Edson Fachin, P, j. 3-12-2015, DJE 54 de 28-3-2016,Tema 168.]”


Desta feita, a súmula era válida em regra para o Imposto de Renda e a Contribuição sobre o Lucro Líquido, porém quando se tratasse de caráter extrafiscal, não era válido o uso da jurisprudência sumulada 584 do Supremo Tribunal Federal.


4CONCLUSÃO


Os tributos sempre foram necessários para que o Estado pudesse sobreviver e dar alguns direitos para os cidadãos, mesmo que esses direitos fossem mínimos. Um Estado sem tributo não há como fazer a organização social, policiamento, unidades administrativas, pois todos são custeados pelos cofres públicos desde a antiguidade, até mesmo em governos mais déspotas isso era possível.

Com o passar do tempo às normas tributárias foram se aprimorando, tendo suas respectivas naturezas a serem cobrados, países foram adotando de maneira mais equitativas, tirando a onerando irregular e desigual que existia na época da Idade Média, houve uma verdadeira revolução e complexidade comparação do que é visto nos dias atuais.

No Brasil não é diferente, há vários caminhos ou naturezas onde pode ser cobrado os tributos, seja da renda, do patrimônio, seja sobre o uso de serviços públicos ou apenas o que estejam à disposição, há misto, conforme analisado, algo bem mais complexa do que em outros períodos. É nesse momento que entra a discussão acerca do Imposto sobre a Renda e sobre o Lucro Líquido.

O Imposto sobre a Renda e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido são dois tributos com finalidades distintas, que segundo a atual legislação, podem ser analisados em dois momentos - dois períodos - diferentes, os quais podem ser compreendidos o correspondente ao fato gerador e o da cobrança. O primeiro é no exercício financeiro, que corresponde ao ano civil, e o segundo é o ano seguinte, o ano em que o contribuinte realizará o pagamento.

O entendimento jurisprudencial e dominante e sumulado da Suprema Corte do Brasil prevê que nova lei no ano que se sucede ao fato gerador tem a capacidade de alterar a realidade tributária passada, ou seja, as novas regras, embora in pejus, alteram também o fato gerador antes do pagamento.

Nessa esteira, vê-se uma ausência de sintonia com os ditames constitucionais, pois que os fatos econômicos ocorridos durante o ano-base são muito relevantes, já que serão considerados no fato gerador o qual se consolida no final do ano, conforme já descrito no decorrer do artigo, não podendo ser alterado por nova lei no ano seguinte, que é o ano de declaração.

Não há o que se pudesse falar sobre a nova legislação atingir todo o ano-base, isso é agressão ao princípio da irretroatividade da legislação tributária gravosa, comprometendo totalmente a segurança jurídica basilar do sistema jurídico brasileiro, pois que a qualquer momento o cidadão pode ser pego de surpresa sobre uma nova legislação tributária. Não pode o poder estatal com fito arrecadatório frustrar a planificação do contribuinte.



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1A arrecadação de impostos federais em 2019 totalizou R$ 1,537 trilhão, um crescimento real de 1,69% em comparação ao ano anterior. Corrigido pela inflação, o valor chegou a R$ 1,568 trilhão, o maior volume desde 2014, de R$ 1,598 trilhão. A análise das receitas do último ano foi divulgada hoje (23) pela Receita Federal.

[...]

Um dos fatores não recorrentes citados pela Receita foi as reorganizações societárias de empresas (fusões e aquisições), que afetaram as arrecadações do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O volume arrecadado com os dois impostos chegou a R$ 14 bilhões, também influenciado pelas alterações nas regras de compensação de créditos tributários com débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa.”

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A distorção do entendimento do Superior Tribunal Federal transcrito na Súmula 584 sob a égide constitucional dos princípios da anterioridade e irretroatividade.

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